sábado, 20 de novembro de 2010

1959: O primeiro campeonato nacional

Uma característica marcante do Brasil, desde suas origens, é a de ser um país de vasta extensão territorial, sendo hoje o 5º maior do mundo. Há pouco mais de 1 século, quando começaram a ser disputados os primeiros torneios de futebol pelo país, cruzar distâncias que iam da ordem de milhares de quilômetros era muito difícil, caro e, sobretudo, demorado. Isso dificultou um tanto a integração do país, e no "esporte bretão" não foi diferente.
Nas primeiras décadas do Século XX, os países europeus e sul-americanos, onde o futebol havia se popularizado, já organizavam campeonatos nacionais. O Brasil, devido às suas características de "país-continente", desenvolveu uma organização que hoje é uma peculiaridade nossa: um calendário com a presença de campeonatos regionais. Na época, cada estado já tinha sua federação própria (às vezes mais de uma) e paralelamente em todo o país, os Campeonatos Estaduais eram o momento máximo do esporte nacional. Inclusive estes foram os únicos torneios de caráter oficial disputados à época, o que dava importância máxima aos certames locais.
Por vezes, houve disputas entre alguns campeões estaduais, algumas eram disputas amistosas, porém por vezes a disputa era organizada pela CBD (Confederação Brasileira de Desportos), nos casos da Taça Ioduran (entre os campeões de SP e RJ), e do Torneio Interestadual de Clubes (SP, RJ e RS em 1920; SP, RJ, MG e ES em 1937). Estas disputas, porém, esbarravam na falta de representatividade, pelos poucos times e poucos estados envolvidos além de que foram realizadas esporadicamente, mas foram as primeiras disputas que começavam a tirar as dúvidas de quais seriam, de fato, os melhores times do país.
Em 1933, a mesma CBD organizou a primeira edição do Torneio Rio-São Paulo, que só passaria a ser disputado com regularidade em 1950. Esta competição foi a primeira disputa interestadual disputada com regularidade, e teve uma grande importância na época, até porque era disputada pelos principais clubes dos dois estados, que eram os mais importantes do país. Apesar disso, evidentemente, não chegava a ser uma disputa nacional, e não chegava a suplantar a força dos campeonatos estaduais.

Somente no fim da década de 50 é que as coisas iriam mudar, começando a adquirir o formato que hoje rege o futebol nacional. A criação da Taça Libertadores da América, planejada para ter sua primeira edição em 1960, praticamente obrigava os países participantes a ter um campeão nacional, que seria seu único representante no campeonato continental. O Brasil, pela primeira vez, teve a necessidade de criar um torneio que envolvesse todo o país, para que se conhecesse o campeão brasileiro e, consequentemente, o representante tupiniquim no torneio sul-americano. Assim surgiu a Taça Brasil, que de fato foi o primeiro campeonato brasileiro.
Inspirada na Copa Libertadores, que era nas suas primeiras edições era disputada somente pelos campeões nacionais da América do Sul, a Taça Brasil era disputada pelos campeões estaduais de todo o país. Seu modelo partia da lógica que, para ser campeão do país, o time precisava ser o melhor de seu estado. Aliás, este modelo manteve o formato geral dos campeonatos estaduais, que por serem anteriormente, os torneios máximos da temporada, duravam geralmente boa parte do ano. Inclusive o Campeonato Paulista era disputado comumente como hoje se disputa o Campeonato Brasileiro: sistema de pontos corridos, turno e returno. Não dá pra imaginar que um torneio que tem pelo menos 30 rodadas não dure pelo menos uns 6 meses. E este modelo não haveria de ser mudado, uma vez que os torneios estaduais tinham sua importância reforçada, uma vez que além do valorizado título, também estava em disputa uma vaga no campeonato nacional.
Por este motivo, a Taça Brasil não podia ser um torneio muito longo. O formato de mata-mata era a melhor solução para não se sobrecarregar o calendário. Uma característica importante do torneio era que os campeões paulista e carioca só iniciavam a disputa em fases mais avançadas (mostrando a força política dos dois estados, além do que os mesmos já tinham elevada moral quanto à qualidade de seus clubes), às vezes sendo as semifinais, ou então a fase de quartas-de-final. Já os clubes dos demais estados disputavam fases regionais, separados em Zonas, sempre no sistema eliminatório, até que o melhor time de cada Zona garantia vaga nas semifinais.
Durante toda a sua existência, entre 1959 e 1968, as disputas eliminatórias da Taça Brasil obedeciam o seguinte sistema: jogadas duas partidas, quem somasse mais pontos era o vencedor, sem critérios de desempate. Ou seja, para se classificar eram necessárias duas vitórias ou então uma vitória e um empate. Caso houvessem dois empates, ou então, uma vitória para cada lado, era disputada uma partida extra, geralmente em campo neutro, com a finalidade de desempate.

Assim, em 1959, ocorreu a 1ª edição da Taça Brasil, da qual participaram os campeões estaduais de 1958. O C.R. Vasco da Gama, campeão carioca, e o Santos, campeão paulista em 1958, entraram somente nas semifinais. O Peixe encarou nesta fase o Grêmio, e goleou o campeão gaúcho por 4x1 na Vila Belmiro pelo jogo de ida. Na partida de volta, no Estádio Olímpico, o Santos ficou no 0x0 e garantiu a vaga na final. Na decisão, o Alvinegro encarou o E.C. Bahia. No 1º duelo, melhor para o campeão baiano, que venceu em pleno Urbano Caldeira por 3x2, num jogo bem disputado, e decidido com um gol de Alencar, aos 44 minutos da segunda etapa. No 2º jogo, na Fonte Nova, os tricolores dependiam de apenas um empate, mas novamente a lógica foi contrariada: com 1 gol de Coutinho e outro de Pelé, o time paulista venceu por 2x0, prorrogando a decisão para um terceiro jogo. E somente em 29 de março de 1960, a menos de um mês da primeira Libertadores, se conheceu o primeiro campeão brasileiro: decorridos três meses do jogo de Salvador, os dois finalistas se encontraram no Maracanã, e num jogo cheio de expulsões, o Bahia ganhou de virada, por 3x1, se sagrando campeão brasileiro de 1959 e tornando-se o primeiro time brasileiro a disputar uma Copa Libertadores da América.
Para o vice-campeão Santos, aquela derrota seria ainda mais que compensada, em virtude de um futuro pentacampeonato nacional, sendo que em duas destas conquistas, o Santos derrotaria o mesmo Bahia na final, com direito a goleadas.

A Taça Brasil de 1959 foi disputada por 16 clubes, que aparecem listados abaixo, com os respectivos estados em parênteses (vale lembrar que, na época, o Rio de Janeiro era a capital do Brasil, portanto o município correspondia ao Distrito Federal, e não pertencia ao estado do Rio de Janeiro. Consequentemente, os campeonatos estaduais também eram distintos):

  • ABC F.C. (Rio Grande do Norte)
  • Clube Atlético Mineiro (Minas Gerais)
  • Clube Atlético Paranaense (Paraná)
  • Auto Esporte Clube (Paraíba)
  • E.C. Bahia (Bahia)
  • Ceará S.C. (Ceará)
  • Centro Sportivo Alagoano - CSA (Alagoas)
  • Ferroviário E.C. (Maranhão)
  • Grêmio F.B.P.A. (Rio Grande do Sul)
  • Hercílio Luz F.C. (Santa Catarina)
  • Manufatora A.C. (Rio de Janeiro)
  • Rio Branco A.C. (Espírito Santo)
  • Santos F.C. (São Paulo)
  • Sport Club do Recife (Pernambuco)
  • Tuna Luso Brasileira (Pará)
  • C.R. Vasco da Gama (Distrito Federal)
Os times, como citado acima, eram divididos em Zonas, e as mesmas subdivididas em grupos, conforme segue abaixo. Para facilitar a identificação dos mesmos e entender melhor a organização do torneio, serão associadas cores aos grupos e zonas na tabela de jogos, da seguinte maneira:
  • Grupo Nordeste: ABC, Ceará, CSA e Bahia
  • Grupo Norte: Tuna Luso, Ferroviário, Sport e Auto Esporte
  • Grupo Leste: Rio Branco, Manufatora e Atlético/MG (finalista)
  • Grupo Sul: Atlético/PR, Hercílio Luz e Grêmio (finalista)
A final da Zona Norte era disputada entre os vencedores dos grupos Nordeste e Norte; já a final da Zona Sul era disputada entre os vencedores dos grupos Leste e Sul. Por fim, os campeões das duas zonas passavam às semifinais da Taça Brasil: o campeão da Zona Norte encarava o Vasco e o campeão da Zona Sul enfrentava o Santos nesta fase.

Explicado o regulamento, segue a lista de jogos, com direito a fichas técnicas dos jogos do Santos F.C.:

1ª fase:

23/08/1959  ABC 1 x 1 Ceará
30/08/1959  Ceará 0 x 0 ABC
01/09/1959  Ceará 2 x 1 ABC

23/08/1959  CSA 0 x 5 Bahia
30/08/1959  Bahia 2 x 0 CSA

23/08/1959  Ferroviário 1 x 3 Tuna Luso
30/08/1959  Tuna Luso 1 x 3 Ferroviário
01/09/1959  Tuna Luso 1 x 0 Ferroviário

23/08/1959  Auto Esporte 0 x 3 Sport
30/08/1959  Sport 5 x 2 Auto Esporte

23/08/1959  Hercílio Luz 1 x 2 Atlético/PR
30/08/1959  Atlético/PR 1 x 0 Hercílio Luz

23/08/1959  Rio Branco 3 x 0 Manufatora
30/08/1959  Manufatora 0 x 1 Rio Branco

Finais dos grupos:

20/09/1959  Ceará 0 x 0 Bahia
27/09/1959  Bahia 2 x 2 Ceará
29/09/1959  Bahia 2 x 1 Ceará

13/09/1959  Sport 2 x 2 Tuna Luso
20/09/1959  Tuna Luso 1 x 3 Sport

13/09/1959  Grêmio 1 x 0 Atlético/PR
27/09/1959  Atlético/PR 0 x 1 Grêmio

13/09/1959  Rio Branco 2 x 2 Atlético/MG
20/09/1959  Atlético/MG 2 x 0 Rio Branco

Finais das Zonas:

27/10/1959  Bahia 3 x 2 Sport
30/10/1959  Sport 6 x 0 Bahia
03/11/1959  Sport 0 x 2 Bahia

18/10/1959  Atlético/MG 1 x 4 Grêmio
25/10/1959  Grêmio 1 x 0 Atlético/MG

Semifinais:

19/11/1959  Vasco 0 x 1 Bahia
24/11/1959  Bahia 1 x 2 Vasco
26/11/1959  Bahia 1 x 0 Vasco

17/11/1959  Santos 4 x 1 Grêmio
Local: Vila Belmiro - Santos/SP
Árbitro: Alberto da Gama Malcher
Gols: Jair Rosa Pinto aos 25' e 31' do 1º tempo, Gessy aos 15', Coutinho aos 37' e Urubatão aos 44' do 2º tempo.
Santos: Manga, Getúlio, Pavão e Mourão; Urubatão e Formiga; Dorval, Jair Rosa Pinto, Coutinho, Pelé e Pepe. Técnico: Lula
Grêmio: Henrique; Orlando, Airton e Ortunho; Elton e Calvet; Giovani, Gessi, Cardoso, Milton e Juarez (Vieira). Técnico: Foguinho


25/11/1959  Grêmio 0 x 0 Santos
Local: Estádio Olímpico - Porto Alegre/RS
Árbitro: Cláudio Magalhães
Grêmio: Henrique; Orlando, Airton e Ortunho; Elton e Calvet; Volney, Gessi, Juarez, Milton e Vieira. Técnico: Foguinho
Santos: Manga, Dalmo, Pavão e Mourão; Zito e Formiga; Dorval, Urubatão, Coutinho (Agnaldo), Pelé e Pepe. Técnico: Lula


FINAL:

SANTOS F.C. 2 x 3 E.C. BAHIA
Data: 10 de dezembro de 1959
Local: Vila Belmiro - Santos/SP
Juiz: Alberto da Gama Malcher
Gols: Pelé aos 15' e Biriba aos 26' do 1º tempo; Alencar aos 12', Pepe (de pênalti) aos 32' e Alencar aos 44' do 2º tempo.
Santos: Manga; Getúlio e Dalmo; Urubatão, Formiga e Zito; Dorval, Jair Rosa Pinto, Coutinho, Pelé e Pepe. Técnico: Lula
Bahia: Nadinho; Leone, Henrique, Vicente e Beto; Flávio e Bombeiro; Marito, Alencar, Léo e Biriba. Técnico: Geninho



E.C. BAHIA 0 x 2 SANTOS F.C.
Data: 30 de dezembro de 1959
Local: Fonte Nova - Salvador/BA
Juiz: José Monteiro Alencar
Gols: Coutinho aos 8' e Pelé aos 31' do 2º tempo.
Expulsão: Dalmo (Santos)
Bahia: Nadinho; Leone, Henrique, Vicente e Beto; Flávio e Bombeiro; Marito, Alencar, Léo e Biriba. Técnico: Geninho
Santos: Laércio; Feijó, Getúlio e Dalmo; Formiga e Zito; Dorval, Urubatão, Coutinho, Pelé e Pepe. Técnico: Lula



E.C. BAHIA 3 x 1 SANTOS F.C.
Data: 29 de março de 1960
Local: Maracanã - Rio de Janeiro/DF
Juiz: Frederico Lopes
Gols: Coutinho aos 27' e Vicente aos 37' do 1º tempo; Léo 1' e Alencar aos 31' do 2º tempo.
Expulsões: Getúlio e Formiga aos 24', Coutinho e Vicente aos 32' e Dorval aos 33' do 2º tempo.
Bahia: Nadinho; Beto, Henrique, Vicente e Nezinho; Flávio e Mário; Marito, Alencar,
 Léo e Biriba. Técnico: Carlos Volante
SFC: Lalá; Getulio, Mauro, Formiga e Zé Carlos; Zito e Mário; Dorval, Pagão (Tite), Coutinho e Pepe. Técnico: Lula


Assim, o Esporte Clube Bahia se tornou o campeão brasileiro de 1959, conseguindo uma vaga para a Taça Libertadores de 1960. O Santos, com o também vice-campeonato paulista em 1959, não conseguiu participar da Taça Brasil de 1960, que foi vencida pelo Palmeiras. Em 1961, porém, o Peixe retornaria com tudo...

Campanha do Santos:
5 jogos | 2 vitórias | 1 empate | 2 derrotas | 9 gols marcados | 7 gols sofridos | Saldo de gols: 2



Fontes:


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